segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A web brasileira em 2009

Lan Houses, acesso móvel e redes sociais impulsionam a internet em 2009, prevê Marcelo Coutinho.


Nos últimos anos, a Internet brasileira viveu um extraordinário crescimento em termos de número de usuários, intensidade e variedade de uso. Dificilmente teremos algum retrocesso em 2009, exceto se a crise financeira alcançar dimensões realmente catastróficas. Mais provável é um cenário de crescimento moderado em relação ao verificado no passado recente, mas com algumas mudanças em termos de modelos de negócios e comportamento dos usuários.


Comecemos pelo número internautas. É sempre um problema chegar a uma conta exata, pois diferentes fontes utilizam diferentes critérios para definir quem é um “usuário”. As fontes mais conhecidas seguem os critérios adotados internacionalmente, pelos quais um usuário é alguém que utilizou a rede pelo menos uma vez nos três meses anteriores a pesquisa, variando a população em termos da idade considerada.


Neste caso, a maior parte dos institutos mostra progressos notáveis. O IBOPE aponta atualmente cerca de 42 milhões de usuários com mais de 16 anos, contra 22 milhões no final de 2003. Entre os internautas domiciliares o crescimento foi ainda mais expressivo, passando de 8,7 milhões para os 24,4 milhões em setembro deste ano. O Comitê Gestor, embora trabalhando com um período de tempo menor (2005 a 2007, sendo que a pesquisa de 2008 ainda não foi divulgada), aponta para um crescimento de quase 50% no número de usuários no período (de 24% para 34% da população total, o que daria, no final de 2007, cerca de 60 milhões de pessoas de todas as faixas etárias).


Já o IBGE destaca que o número de domicílios conectados mais do que dobrou: eram 5,6 milhões em 2003, contra 11,3 milhões em 2007. O interessante é que o número de domicílios conectados com rendimento superior a 20 salários mínimos ficou praticamente estável, mas entre os domicílios com renda de até 10 salários mínimos a taxa de crescimento foi de 218% (de 2,1 milhões em 2003 para 6,8 milhões em 2007). Quando multiplicamos isso por outro dado do IBOPE, o do tempo de navegação domiciliar, que nos últimos meses está ao redor de 24 horas mensais (contra pouco mais de 12 horas no final de 2003), podemos ter uma real dimensão do crescimento da importância da web nos domicílios brasileiros: não só praticamente dobrou o acesso, como também dobrou o tempo de navegação.


Essa tendência não será imutável, é claro. De acordo com o IBGE, o Brasil apresentava em 2007 48,5 milhões de domicílios com renda de até 10 salários mínimos, ou seja, apenas 14% deste total possuíam um computador com acesso. Mesmo considerando somente os domicílios com renda entre 3 e 10 salários mínimos (18,9 milhões), pouco mais de um terço possui acesso. Boa parte dos equipamentos que abasteceram os domicílios de menor poder aquisitivo vieram de uma combinação de dólar baixo, crédito abundante, crescimento da renda e do emprego, situação que não deve se repetir em 2009.


Mas mesmo um eventual retrocesso neste segmento (difícil imaginar os consumidores devolvendo seus computadores para as lojas, mas vamos lá...) seria compensado por duas outras fontes de crescimento: o acesso de centros públicos (pagos ou gratuitos) e as plataformas móveis.


No primeiro caso, dados amostrais e evidências empíricas mostram uma explosão no uso das Lan Houses, notadamente na periferia das grandes capitais, tema inclusive de um debate no último Digital Age 2.0.


Levantamentos realizados por diversas entidades públicas e privadas (Comitê Gestor, Vivo, IBOPE, Escola Superior de Propaganda e Marketing, entre outras), indicam a existência de dezenas de estabelecimentos deste tipo em favelas e outros aglomerados urbanos de baixa renda. Ao mesmo tempo, o Governo Federal dá indicações que não vai cortar recursos dos programas de informatização e acesso nas escolas públicas.


Estes dados mostram que o acesso via Lan Houses ou escolas só cresce, superando as taxas observadas no local de trabalho. Ou seja, mesmo que mais pessoas fiquem desempregadas e o crescimento do acesso doméstico caia para taxas menores, o uso da internet em Lan Houses e escolas deve ajudar a compensar a queda. Nesta perspectiva, sites de redes sociais, games e entretenimento continuam em alta.


A 19ª Internet POP, estudo do IBOPE divulgado este ano mostra que 41% dos internautas costumam freqüentar Lan Houses, visitando principalmente sites de relacionamento e comunidades. De maneira geral, o Brasil é destaque mundial em termos de uso de sites de comunidades digitais, games e vídeos, tendência que deve permanecer ao longo de 2009, inclusive por causa do acirramento da competição no mercado de banda larga nacional.


Outra tendência que deve amortecer o impacto da crise econômica sobre a Web é a mobilidade. De um lado temos a sofisticação dos aparelhos que permitem esse acesso, com a chegada (oficial) do iPhone e novos modelos de aparelhos celulares, além do esforço que as operadoras estão fazendo para estimular esse uso, após investimentos que chegaram a 15 bilhões de reais nas plataformas 3G. A desvalorização cambial certamente terá um impacto no preço final dos aparelhos, mas não no custo dos serviços, que devem obedecer ao aumento da competição no segmento.


Obviamente não veremos taxas de uso da ordem das verificadas nos domicílios ou Lan Houses, mas o crescimento será significativo, abrindo oportunidades de negócios para provedores de serviços e conteúdo. De acordo com um estudo da Nielsen Online sobre o uso da internet pelo celular no Brasil, a consulta de e-mail aparece na liderança com 57%, seguida por música (27%), entretenimento (25%) e jogos (18%). À medida que estes aparelhos se tornam mais comuns fora do ambiente corporativo, a previsão é de aumento da demanda por aplicativos e conteúdo de caráter mais recreativo.


É certo que a questão da grande base de aparelhos pré-pagos (cerca de 80% do total) permanece um problema, mas trata-se de uma barreira que vai diminuindo com o tempo, tanto por parte dos modelos de negócios das operadoras como por parte da curva de aprendizado dos consumidores. Em recente debate o MaxiMídia, um dos eventos mais importantes do mercado publicitário brasileiro, o VP de Marketing e Inovação da Vivo afirmou que mais de 60% dos downloads de serviços de valor agregado da empresa são feitos através de planos pré-pagos.


Normalmente já é difícil antecipar tendências e comportamentos dos usuários de novas tecnologias, tarefa que se torna ainda mais complexa em momentos de turbulência como o atual. Feita esta ressalva, acredito que “pilotos” e “passageiros” da web brasileira enfrentarão algumas turbulências em 2009, mas a trajetória de crescimento será mantida, ainda que com pequenas alterações de rotas (e planos de negócio) aqui e acolá.

Eduardo Squecola Sotana

Palestra de Marcelo Coutinho é diretor de Análise de Mercado do IBOPE Inteligência e professor do mestrado em Comunicação da Fundação Cásper Líbero. E-mail: marcelo.coutinho@post.harvard.edu

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